sábado, 30 de janeiro de 2010

OS DANÇARINOS


Eles dançavam loucos na alegria
Do viver. Oscilando venturosos,
Em movimentos rápidos, formosos
Rodopiavam cheios de harmonia.

Dançavam fosse noite, fosse dia;
Pareciam sorrir dos desditosos.
Aos labirintos tristes, belicosos,
Respondiam nas asas da euforia.

- Que insensatos são estes dançarinos.
Incautos, vivem tais como uns meninos,
Dizia a voz do povo, o juiz.

Pensei: – ora, que grande desempenho,
Descobriram nesta arte, neste engenho,
Uma maneira de se ser feliz.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A ANDORINHA


Pousou uma andorinha na janela,
Cantou ali o seu último canto.
Sob um ramo, encontrei-a; ao meu espanto,
Crês, não nasceu no céu qualquer estrela.

Ela era branca e negra a magricela;
Não sofreu; e tampouco qualquer santo,
No desenlace, veio recebê-la,
Restando, ao fim, vazio este recanto.

Era um ninho de palha, visgo e barro.
Sem tesouro ou herança, o ser bizarro
Vivia sem temer a própria sorte.

Sofremos quando há na vida apego,
Pois somos egocêntricos e cegos,
nunca indagamos sobre a vida e a morte.

O ESPELHO


Nós, almas tristes, almas separadas,
Umas das outras almas, erradias,
No espanto do existir, então sangradas,
Na dor do não saber, sem alegrias.

Ó almas que granjeiam fantasias
Para sobreviver, almas cansadas,
Buscam no céu consolos assustadas,
Reféns de nossas próprias covardias.

Flores dos campos belas, coloridas,
Não sofrem ou anseiam outras vidas;
Nascem e desconhecem suas belezas.

Diariamente, vamos ao espelho
procurar descobrir qual o conselho
Que nos ensina o livro - natureza.

sábado, 23 de janeiro de 2010

SONETO AO SOL


Mais belo é o sol que toda a teosofia,
Não pergunta nem crê ou articula,
Dá sombra e luz, é fonte de harmonia,
Não chora as suas mágoas nem rotula.

Mais belo é o sol do que a filosofia,
Quando aquece a semente, ele estimula
E faz brotar a flor e a alegria,
Não vive a culpar-se ou especula.

Ó sol que brilha, que nos esclarece,
Que não junta às mãos, postas em prece,
Nem fica a aguardar um novo dia,

Dá-nos o teu calor, ó soberano,
Para que nos tornemos mais humanos.
Mais belo é o sol que toda a Academia!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

ORPHEU E EURÍDICE


Eu sempre fui Orpheu, tu sempre Eurídice,
Por isto hei de te amar, eternamente;
E deste amor que é quase meninice,
Farei minha alvorada e meu poente.

Que importa se, da vida, uma corrente
Ate ou nos desate. Ah, pura sandice,
Quero saborear tua meiguice,
Neste breve momento transcendente!

... E tudo passa rápido.E, passando,
Com este intenso amor nos abrasando,
Até que nos encontre a vil velhice.

Serei a tempestade e tu a calma,
Serei o amor, serás tu a minha alma,
Pois sempre fui Orpheu e tu Eurídice!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A PROCISSÃO


Na praia, sob o sol brilhante e quente,
O mar de enormes ondas, verdejando;
Lá, uma procissão branca, cantando
Uma solene música plangente.

O pastor a rezar, obediente,
Em harmonia com os fiéis, andando,
A carregar o andor. E ornamentando,
Flores emurchecidas, penitentes.

Festa luzente, claridade e ardor,
A marcha a contrastar com o derredor,
Um pescador feliz com seu anzol;

Mulheres de biquínis coloridos,
Crianças com sorrisos, referidos,
Por que a procissão à luz do sol?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O HOMEM-SERTÃO


... E que grande deserto é o homem!
Semiárido ou seco e salinado,
Com pesadelos maus que o consomem,
De gravata e sorrisos adornado.

E, acrescentado a isso, vamos, somem:
De dor e solidão, é macerado;
Inseguro a sofrer - já esgotado -,
Dentro do sertão vira lobisomem.

Inventa a religião e sua antítese,
Vês? A filosofia e sua tese,
Promove a confusão, o caos na Terra.

Pede perdão a Deus, enraivecido,
A chorar, agastado e enternecido,
A rogar pela paz, fazendo a guerra!

sábado, 16 de janeiro de 2010

O FLAUTISTA


Ele era magro, jovem e a estética
Estava modelada em sua pauta;
No contorcido corpo havia a súplica
De produzir o som em sua flauta.

Nada o detinha, mesmo a própria malta,
A falar e gritar em sua dinâmica;
Nada rompia a viagem do argonauta,
Embriagado de vez com a sua música.

Com seus olhos cerrados, sempre ausente
Do mundo tolo e vão que o rodeava,
Num círculo abissal era vidente!

Que pena não ser eu mais otimista,
E carregar no peito a dor escrava,
De fazer versos e não ser flautista!

O MEDO


Tu queres navegar em altos mares,
Nesta jangada tosca, apodrecida?
Parte já, sem pensares na partida,
Busca altas ondas, vai noutros lugares.

Precisas do perfume de outros ares?
Enfrenta o dia e a noite. Em tua corrida,
Nada é constante e eterno, se provares
Da novidade que oferece a vida.

De nada vale a vida estagnada.
Desperta! Pega a tua jangada cedo
E, para não fugir ao bom combate,

Vai! Na primeira luz da madrugada,
Liberta-te do monstro que é o medo,
Muito antes que ele aumente e, então, te mate.

A RENDEIRA


Como a rendeira, tece o seu bordado,
Trabalhando a cantar horas a fio,
Quer seja na choupana ou beira-rio,
Ponto sol, ponto lua, eis seu traçado.

Assim, com o olhar perdido no vazio,
Entrelaçando o gesto acautelado,
Papel de risco sobre o almofadado,
Vai surgindo a sua arte no macio.

Desde o nascer do sol até o poente,
Devemos questionar, interiormente,
ser inútil sofrer pelo passado.

Tecendo a paz e o amor, a renascença,
Conhece-te a ti mesmo, em tua presença,
Como faz a rendeira em seu bordado.

A MULHER E O PASSADO


Ela toda manhã passava ao lado,
De um vistoso jardim. Sua estranheza
Não permitia que ela visse o nardo,
O espinho, a rosa e a flor de azul turquesa.

Cabeça baixa, rosto acabrunhado,
Não suportara as dores e a aspereza.
Haviam tantos mortos no passado,
Tornara-se insensível à beleza.

Ó dor que grita, dor que desfalece
No ciclo do viver, incontinente,
Uma manhã que vai e outra aparece!

Ela passava triste, obediente
a um sofrimento que a tudo entorpece.
Perdia no passado seu presente.