quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A NEGRINHA


A criança negrinha em plena praça,
A cantar e dançar em anarquia,
Mãos na cintura, muito estilo e graça,
Esbanja aos transeuntes sua alegria.

E bate palmas, grita e rodopia,
tantas outras crianças, ela abraça.
Nos seus cabelos, traz laço que enlaça
Minha atenção, voraz filosofia.

Parecia um bombom de chocolate,
O sorriso mais belo que a alvorada.
Era o vestido branco e escarlate.

Não havia em seu mundo crença ou guerra,
Inveja ou solidão desesperada.
De infância e de paz era sua terra.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MEDITAÇÃO


Manhã de Pirangí, o sol derrama
A sua luz nas águas cristalinas,
Bordando nas espumas; nas retinas,
E no branco lençol, o diagrama.

As folhas dos coqueiros, como as crinas
De verdosos corcéis buscando a alfama.
Passa um trôpego velho e as meninas
A gritar sua infância e sua chama,

No meu olhar sereno e silencioso,
Nada penso. De tudo estou ausente,
A observar o mundo buliçoso,

Sou parte da paisagem ao passar;
nada me oprime, sou abstinente
Na luz do sol, no azul claro do mar.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O RIO


O rio corre no seu leito. É a sina.
As vezes caudaloso, às vezes manso,
Por entre as giestas, abre seu avanço,
Banhando as fralda verde da colina.

Sem regras que o detenham, sem doutrina,
Ele forma tranquilo seu remanso
E segue belo e forte, após descanso,
A cumprir o seu fado sem rotina.

Sem culpa ou dó, desbrava os banhadais,
Esparge suas águas sobre as flores,
Dá de beber às ervas e aos pardais.

Não pensa nos caminhos, a vagar;
Não importa o passado nem amores,
Segue o destino que traçou - o mar.

O HOMEM LIVRE


Foram-se os dias belos e suas cores
Que tingiam o céu nas alvoradas.
As virgens nas janelas, recostadas,
Os violões, as flautas e os cantores.

Foram-se os dias claros e suas flores,
que perfumavam o ar nas madrugadas;
Ternos brancos e as golas engomadas,
Cantos dos rouxinóis, grandes amores.

Mas lamentar o que com esta história?
Por que se preocupar o homem tanto,
Viver a vasculhar sua memória?

Ele é livre ao não ser condicionado,
Ao se despir do júbilo e do pranto,
Lançando alhures todo o seu passado.

domingo, 22 de novembro de 2009

PARTIR


Partiu, qual folha seca à ventania,
O sonho e o amor desabrigados;
Mãos e braços outrora entrelaçados,
Hoje são, da saudade, moradia.

Partiu como quem despe a fantasia
Na quarta-feira dos desconsolados.
E agora as ilusões à revelia
Da sorte e lábios mais abandonados.

Partiu como quem parte de uma festa,
com a maior segurança e toda calma.
Beijou-lhe a boca e se desfez da sorte.

Partir sempre será forma correta
de conduzir a solidão à alma
E pouco a pouco se chegar à morte!

RETRATO


Pega o pincel e pinta o teu retrato,
Não mera imagem para que outro veja.
E que o sofrido rosto nele esteja,
Com todas rugas, dores e recato.

Pega o pincel e pinta o teu retrato.
E neste esboço, que a verdade seja
As cores da palheta - o que se almeja -
Com os sentidos da visão e o tato.

Cada homem é linha, cor e traço,
É paisagem, um mar de mui sargaço,
Um símbolo, uma rosa e uma cruz.

Participa da festa e, com tal ato,
Acharás uma lâmina de luz!
Pega o pincel e pinta o teu retrato.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O POETA E O SONHO


Dorme o poeta só, de corpo inteiro,
No seu leito de versos e alfazemas.
Repousam nos espaços seus poemas,
Suas lembranças e o estro verdadeiro.

Dorme o poeta, ah, dorme o guerreiro!
E no silêncio, apenas as falenas
Sobrevoam as brancas açucenas,
Velozes no seu voo passageiro.

Enquanto dorme o poeta, as musas cantam
Uma canção de amor, fraternidade,
Na esperança voraz dele escrevê-la.

Versar as ilusões da juventude,
Da liberdade e da magnitude,
Enquanto dorme o poeta, brilha a estrela!

domingo, 15 de novembro de 2009

O PESCADOR E O POETA


Sai a jangada ao mar; desliza bela
A cortar altas ondas insistentes.
Quer seja em alvoradas ou poentes,
Recolherá cardumes com sua vela.

Enfrenta as águas, guiada pela estrela
Da noite. O mar sussurra sons plangentes.
O pescador, sem medo das correntes,
Traz sua pesca. Sim, eu pude vê-la!

Imitei-o e, com a jangada ao mar,
Intrépido, nas ondas fui pescar,
Não cardumes, porém, felicidade.

Voltei vencido, triste, acabrunhado,
Trouxe apenas lembranças do passado
E o coração repleto de saudade!

DAS RENOVAÇÕES


Renova teu amor com coisas belas,
Ao som dos rios, pássaros, avenas,
Ao ritmo das coisas mais singelas,
Como o simples cantar das cantilenas.

Renova teu amor contando estrelas,
Nas buliçosas asas das falenas,
Nos lábios que renovam as novenas,
E mãos que elevam velas pra acendê-las.

Vislumbra a claridade da manhã,
Sob a estação propícia do estival,
Entregue ao puro hálito hortelã!

Os deuses cantarão em teu louvor,
Carregarás contigo este cristal
Reluzente nas asas deste amor!

sábado, 14 de novembro de 2009

A DESCOBERTA DO AMOR


Quais bravos navegantes portugueses,
Singrando mares, altas caravelas,
Icei as ilusões, as brancas velas,
No perigo do acaso tantas vezes.

À noite, pelo rumo das estrelas,
Seguia entre procelas e reveses,
Quais bravos navegantes portugueses,
Singrando mares, altas caravelas.

Terra de Santa Cruz – A Prometida -,
Florestas, rios, grandes descobertas!
Rasguei as velas! Triste arremetida.

Aportei, sem saber, à terra crua;
Cheia de cardo, esplêndida, deserta.
No céu testemunhava a luz da lua.

AMANTE


Prepara nossa cama, nosso ninho,
Com os lençóis mais limpos do roupeiro;
Que tenha as iniciais no travesseiro,
Coração de desejo e descaminho.

Deita flores no vaso pequenino,
Após limpar a casa da poeira;
Acaricia o poeta-menino,
na hora do amor mais derradeira.

Faze que esta noite se eternize;
Que não haja no amor qualquer deslize,
Não me venha a tristeza em desabono.

Esta é a noite da nossa despedida;
Amanhã, outros tempos, outras flores,
E, quem sabe, sofrer rude abandono!

A MENINA CEGA


Menina cega que encontrei um dia
sobre as calçadas quentes, nordestinas;
Menina - diferente das meninas -,
Espectro sem luz, sem alegria.

Por que, menina cega, me pediste
Falar do Sul, esbelto e fluorescente,
Ao se aguçar em teu fatal poente
A derrocada de teus dias tristes?

Menina cega, se te encontro um dia,
Quantas coisas da vida eu falaria,
Mais ainda de teu olhar profundo!

Suportarias bem a cruz que levas;
Já não dirias mais: "Ah, tudo é trevas!",
Pois todos somos cegos neste mundo!

FESTA E SOLIDÃO


Em meio à festa, a solidão vagueia,
Buscando abrigo nos meus tristes braços.
Quero as carícias de antigos laços,
Dos quais a minha casa estava cheia.

Feliz em seu prazer, ela granjeia
Aplausos causadores de cansaço.
De fracassos de amores - de fracassos! -,
O meu viver é vento sobre areia.

Em meio à festa, a solidão reclama,
então procuro um jeito de encontrá-la.
A alma sofre de amor por quem se ama!

No desejo incontido de um abrigo,
A solidão amarga então se instala
E para sempre vem morar comigo.

CÓSMICO


Em meio ao vasto oceano cósmico
- Luminosas procelas estelares -,
Estendem-se velas, cabeças, lares,
Aumentando em série o seu fabrico.

Não existem nesta rede alares.
Somente o pranto amargo e telúrico
Desfaz-se no infinito aos colares,
Aumentando de luz o ambiente onírico.

Não há caminho que a luz abrace,
Nem orações que conduzam ao céu,
Nem ouvidos que ouçam uma prece.

Somente a solidão que nos consome
habita a consciência, faz-nos réus.
Este é o destino que conduz o homem!

SOSSEGA CORAÇÃO


Sossega coração, sossega, embora
Saiba quantos tormentos atravessas,
Dos caminhos tortuosos, às avessas.
Sossega, coração, já, sem demora!

Sossega, coração. Do amor agora
não se pode fazer quaisquer promessas;
Perdeu-se o tempo de sonhar co a aurora;
Atravessa esta ponte, atravessa!

Descansa desta longa caminhada,
Refaze-te da imensa cicatriz,
Atira ao chão a tua pobre cruz.

Relembra a antiga e límpida alvorada;
Descansa, procurando ser feliz.
Sossega, coração, e busca a luz!


domingo, 8 de novembro de 2009

MENDIGOS OCASIONAIS


- Quem são estes escravos da miséria
Que à tênue luz da noite gritam ais?
- Pais de famílias que, na longa esteira
Do desemprego, já não sonham mais.

- Quem são estes que vivem sós à beira
Das calçadas, sem nomes ou anais?
- É o sangue que circula nas artérias
Frouxas; barco perdido, sem um cais.

São camponeses que, de tanta espera
Pelas máquinas, chuvas e reformas
Vêm tentar na cidade novas eras.

E da boca da noite ouvem-se gritos.
Pelos becos escuros estas formas
Só esperam milagres do infinito

DOAÇÃO


Ora! Quanto te dei, alma daninha!
O lar, o alento... vês? o próprio rastro!
Quando nada faltava, dei-te o astro,
a riqueza maior, a alma minha.

Ora! Quanto te dei, alma mesquinha!
Todo esplendor do grande amor primeiro;
Deste mundo, o melhor e verdadeiro
Escolhi e te dei o que convinha.

Ora! Quanto te dei, e porque tanto?
Esta triste balada de meu canto,
O sorriso, o perdão e... o desafeto!

Então sorriste. Não querias crer
Que um homem como eu fosse viver
Sem luz, sem alma, sem calor, sem teto!

CORRIDA



Não mostres nunca ao mundo tua fraqueza,
Nem digas a ninguém: “Sou desgraçado”,
Porque o ser humano alienado
Tratará de aumentar sua aspereza.

Não digas a ninguém: “Eu fui vencido”;
Não dês à luz a tua insegurança,
Porque os monstros fartos de esperança
Cravarão garras sobre teus gemidos.

O que se versa aqui é o que se sente.
E na ausência da sorte, eu inocente,
Junto aos parvos chorei a minha lida.

É gente que, na ânsia de vencer,
Atropela a irmandade pra obter
O primeiro lugar nas vãs corridas!

O AMOR


Ele vem qual o vento das nortadas
Impetuoso deixa tudo em desalinho
Arranca a flor pendente no caminho
Derruba árvores, varre as estradas

Ele vem qual a chuva de invernadas
Agrestes. Se em propósitos mesquinhos
- Invade casas e destrói ninhos –
Carrega para longe – as folhadas.

Ele vem qual o raio em céu d’estanho
Grande é o seu furor e o seu tamanho
Despe toda a terra de seu véu.

Qual o vento, qual a chuva, qual o raio
Ele vem. Como vem – a flor de maio
Ele vem com os anjos vem do céu.

DO BEM COMUM


Guardo o sorriso puro, teus anelos,
A flor colhida da primeira infância,
Oculta deste mundo toda a ânsia
Guarda a tua pureza, os teus desvelos.

Guarda a rosa pôr entre teus cabelos
E mantém perfumada tua fragrância,
Guarda o cheiro do lírio da infância
Tuas lembranças e teus sonhares belos.

Guarda o fulgor deste luar primeiro
O encantamento que o sol irradia,
E aconchega-o dentro do teu seio

Quando precisares desta energia
Ao chegar o momento derradeiro,
Guarde o teu sorriso, a tua alegria.

LUA CRESCENTE


Eu não te amei em parte, fui inteiro,
Qual o riso da criança natural,
Como o sopro do vento tropical
Arrastando a jangada e o jangadeiro.

Eu não te amei em parte, fui total,
Como o sol debruçado no telheiro,
Em um longo suspiro derradeiro,
Eu não te amei em parte, fui igual.

Como a fonte deitada na colina
Cumprindo o seu dever, banhando flores,
A derramar sua água de cristal,

Eu que bebi de tua fonte as dores,
Cumpri sem reclamar a minha sina,
Eu não te amei em parte, fui total!

E SE...


E se o tempo parasse agora, neste instante
E o Deus não viesse. Após tua longa espera
E se os átomos em festa doce quimera
Fizessem estagnar este mundo vibrante

E se o tempo parasse nesta primavera
E o ideal não fosse um ébrio caminhante,
E se o tempo parasse, agora neste instante
A terra não seria esta triste esfera

Se não houvesse mãos que tristes se separam
Nem sofrimentos ou noites de pesares
Se não houvesse vidas que erraram.

E se o tempo parasse, neste momento, quando
Junto de ti, nossas almas alça os ares
E quando mais encontro-me te amando?

INCONSTÂNCIA


Partirás bem sei eu o pressinto
Em busca de quimeras ilusórias
Repetirás com outro a mesma história
Então verás que hoje eu não minto.

Trazes n’alma a suprema insegurança
Condicionada pelo mundo atroz
Alma – parte em busca d esperança
Esperança – parte em busca de tua voz.

Mas um dia verás que inconsciente
Partistes em busca do ignoto.
Te sentirás então mui descontente…

Dirás talvez que és um ser fugaz?
- Não estamos todos na vida fragorosa
Procurando nossa alma, nossa paz.

SONETO Nº 3


Já não basta da vida o antagonismo
O gosto amargo que nos vem a boca
O abismo de tudo, o grande abismo
Que tudo envolve e a todos toca

Ja não basta a lua quase louca
Debruçada em nuvens de cinismo
Ouvir da terra repito grande abismo
Sua voz cansada e muito rouca

Ja não basta os olhares das janelas
Sem brilhos os rostos pálidos,
Este céu imenso sem estrelas

Deixaste-me com a terra sem verdor
Corpo ausente de alma, de sentidos,
Descrente do meu credo – o amor

SONETO Nº 2


Quando a tarde cai merencória
Sobre os passos meus, já arquejantes
Lembro-me de tua sombra, ó marmórea
Estátua de luzes ofuscantes.

E teu vulto cresce me assustando
Com o fantasma cruel da juventude
Contemplo-me na dor, e, a plenitude
Passo a passo eu sei vai me deixando.

Embora eu saiba que esta idéia é louca
- Beijar de novo a tua linda boca
Viver contigo aquela mesma aurora

Esforço-me e, este é todo inutilmente
Só consigo ilusões, amor de crente,
E fazer versos relembrando outrora.

NITERÓI


Antigamente, em tardes coloridas
Misto de alegria e de simplicidade
Passeávamos ao longo de avenidas
Buscando um sonho que era realidade

Hoje, a menina cresceu é bem verdade
Cabelos curtos, vestes maltrapilhas
Fez do passado as ilusões perdidas
E nem sofreu com sua vaidade

Niterói, a menina perdulária
É metrópole com luzes fluorescentes
Quase sem nome – cidade de recado

Niterói – qual é a tua glória
Se o bom viver deixastes no passado
E a paz abandonou a tua história.

NÃO CRESÇA, MEU AMOR


Não cresça, meu amor, seja a criança
Que me ofertou um mundo de canduras,
Que transformou as dores as fraguaras,
Num raio majestoso de esperança.

Não cresça, meu amor, seja a criança
Que derrubou um muro em degredo
Aos ares desvendou todo o segredo,
Deste supremo bem que não alcança.

Não cresça, meu amor, seja a criança
Que transformou em terra de bonança
Deserto sem pirâmides, sem rei;

Se assim for, não haverá desatinos
A sorri para o mundo dois meninos
Fazendo do infantil a mestra e a lei.

O INSTANTE


E tudo em um instante logo passa;
O riso singular, o mais recente,
A flor que desabrocha docemente,
A dor que nos envolve e amordaça.

Assim, tudo se esvai como fumaça,
Em uma correria toda, urgente,
Debruçado a janela, este poente
Vê a noite trazer sua couraça.

As folhas são varridas pelo vento,
Efêmeras, cumprindo o seu destino,
Luar, prateando a terra com o argento.

As borboletas que, com veloz graça,
Vêem no olhar dos homens o menino
Que, num instante breve, cresce e passa.

RUÍNAS



Nada restou do amor adolescente
Nem rosas que floresçam o avarandado
O sabor do encantamento que fluente
Era de nós o eterno namorado.

Nada ficou que possa ser lembrado
Ou que reviva aquele amor ardente
Nem um pólen ou mínima semente
Traz o vento, que remonte o passado

Passo por tua casa e esquecido
Do que foi aquele amor-algema;
Nada desperta algum sentido.

Nem a luz detrás de tuas cortinas
Ou o cheiro no ar de alfazema
Tudo é pedra sobre pedra, qual ruínas.

O SONETO



Como é difícil fazer um soneto,
Gravar a própria dor com muita calma,
Somar sílaba a sílaba à dor da alma.
Juntar as frases formar um quarteto

Unir clareza ao equilíbrio, quando,
Tem-se na vida uma dor secreta.
Grande desgraça a de nascer poeta
Principalmente se ele está amando.

Sempre o bom gosto a imperar nas frases
Não deformar o estílo, cuidar as crases,
Após duas quadras formar um sexteto.

Árduo trabalho amigo, mas qu’importa
Se tendes n’alma a esperança morta,
No coração a fórmula de um soneto.

VIDA


Tenho estrelas nas mãos, raios, luares
Verde mar de tormentas, calmarias,
Noite belas de risos e folias,
Os saborosos frutos dos pomares

E tenho filigrana em meus teares
E uma mesa plena de iguarias,
Tenho em meus ouvidos sinfonias,
Gravadas, uma a uma em seus alares

Se hoje é sol, e escura a rua
Se meus pés calcam feios, frios, cardos
Se não houver a noite a linda lua

Tenho nas mãos estrelas, sol nascente
Tenho alfazema, luzes, tenho nardos
Que muito perfumaram, antigamente.

PROCURA


Procuro neste imenso torvelinho
Pôr entre rios, vales ramadas
Em céu escuro ou noites enluaradas
Nas brisas leves ou redemoinhos.

A procura em todas as estradas
Grande fanal que aquece nosso ninho
E es todo o meu viver, o meu caminho
Es a partida e encantas a chegada.

Procurando-te a esmo, sem pensar,
Que ainda existo sem ti, grande loucura,
Pôr que a vida toda hei de te amar.

E nesta ânsia de buscar, miragem,
Não sei que origem tem esta procura
Se teu amor ou minha própria imagem.

SONETO Nº 1


Eu reconheço o amor pelo olfato
Pelo sabor de sua ambrosia
Pelo gosto de alecrim, pelo tato,
A embriagues de sua fantasia.

Eu reconheço o amor pela alegria
Do prazer ao mínimo contato
Por todo o aconchego, pelo ornato
A luz que o aquece e o alumia

Tão novo quanto a própria alvorada
Tão denso quanto a própria atmosfera
Tão leve quanto o pássaro errante

Tu és este amor em debandada
Este fluxo e refluxo, incessante
Desde que chegastes, primavera

OS TEUS CABELOS


Eu gosto de sentir os teu cabelos
Quando soltos ao vento, em revoada.
Lindo conto de amor, prece calada,
Enviada por Deus aos meus apelos.

Eu gosto quando eles aos novelos
Vão-se ao vento a brincar sobre a ramada.
Ou fazem do meu peito sua morada.
Eu gosto de senti-los e de vê-los.

Quisera tê-los sempre como tema,
Uma visão diáfana em meu verso,
Um perfume gostoso de alfazema.

Do meu viver, são eles meus anelos,
Brincando sob a luz do meu universo.
Eu gosto de sentir os teus cabelos.

MUNDO MODERNO


Mundo moderno, exausto em romantismo,
Formas torcidas e descoloradas
De beijos acres e de vandalismo,
Sobre as antigas formas dispersadas;

Mundo moderno, faces mascaradas,
De credos loucos e de antagonismos,
Banal essência, pleno em formalismos,
Conquistado por coisas conquistadas.

Mundo moderno, crença fatalista
De novos rumos para um egotismo,
Eu pergunto por que, mundo destarte!

Mundo moderno - qual tua conquista,
Se deploras o sonho e o lirismo,
Se estás despido de esplendor e arte?

LEMBRANÇAS


Sei que teu peito inflama como outrora,
Ao relembrar o amor de antigamente.
Sei que ao sofrer, assim, como eu agora,
Dos sonhos, estarás, também, descrente.

E seguirás lembrando, muito embora
Haja em tua vida outro amor presente.
E loucos, seguiremos vida afora,
Com o amor que matamos num repente.

Nós dois sofremos e bem sei te digo;
Faltando a ti e a mim o amparo amigo,
Porque vazios vivem nossos braços.

Olha, saudade... quantas esperanças
Tu destruíste com teus fortes laços,
Tornando-nos escravos das lembranças.

A SOLIDÃO



A solidão que solta andeja às ruas,
Rouba-nos sonhos e entristece os ares:
Teceu com filigranas seus colares,
Com suas teias e com velas suas…

A solidão anda assaltando os lares,
Deixando-nos com as caras feito luas.
A solidão que solta andeja às ruas
Desfez suas amarras, seus alares.

Entrega-te ao cultivo da esperança,
Um sonho antigo, sonho de criança
E aos amigos, revela em alta voz

Que o homem nasceu livre, sem ter medos,
Para enfrentar os íngremes penedos,
Ou voar nas alturas do albatroz!

A LISBOA



Volto a rever-te flores nas janelas
Madrugas, liberdades e sementes,
De grandes diretrizes reluzentes,
Novos rumos a história, afivelas

É grande o despertar de adolescentes
A sussurrar suas canções mais belas,
Como os astros de luzes ascendentes
Volto a rever-te flores nas janelas;

O rio que caminha para a história
Navegando em seus mares, caravelas
Ao destino que nunca te atraiçoa,

Prendes na mão direita o louro, a glória
Que futuro despertas? Ó Lisboa!
Volto a rever-te flores nas janelas.

A BREVE MOCIDADE


A vida é pouca e a mocidade é breve;
Logo, emurchece a flor dos nossos anos;
Uma brisa comum sem quaisquer danos
Desfaz co’a luz do sol a branca neve.

A vida é nada e se afligir não deve,
Pois quem sabe dos tristes desenganos,
Vê que a felicidade nos traz danos
Quem a conhece como pluma, leve.

Vamos vivê-la em cada bom instante,
Beber o pôr-do-sol ou o levante
Sem as preocupações da própria sorte.

A vida é pouca, é nada, uma miragem,
E repentinamente a nossa imagem
É refletida no espelhar da morte.

NAQUELES TEMPOS


Naqueles tempos, sob os arvoredos,
Deitávamos às sombras: Dois errantes...
Contavam os teus lábios mil segredos
Aos meus ouvidos, tramas de amantes.

Naqueles tempos, éramos brinquedos
Do destino. E impulsos circunstantes.
Ah! Era sempre assim, os passaredos,
A lua cheia e nuvens instigantes.

O meu tesouro eram os teus desvelos,
Teu corpo belo e nu à beira-rio...
...Havia fios d’ouro em teus cabelos.

Depois vieram os grandes contratempos,
Restou-me hoje a dor, o nada, o frio
E a lembrança dos “naqueles tempos”.

IGUALDADE DAS COISAS


Existe em tudo o néctar divino,
Nada há puramente material.
Beija a desgraça o orvalho matutino
A sorte explode o grito – infernal -.

Em tudo existe similar beleza:
No pranto da criança inconformada,
No riso da velhice desgrenhada,
Do grão ao astro idêntica grandeza.

Em todas coisas, há o mesmo brilho:
A mãe que embala com carinho o filho,
O mendigo levando sua cruz.

O preso dando às grades existência,
Em si não há miséria ou ascendência,
Em tudo existe amor, existe luz.

O BELO ADORMECIDO


Era uma vez... e tanto tempo faz...
Um príncipe feliz em seu reinado,
Entre pardais e flores, perfumado,
Vivia nos seus sonhos colossais.

Era uma vez… palácio de cristais
E templos e corcéis, lindo brocado,
Tinir de taças, alto cortinado,
Colunatas em grandes catedrais.

Era tarde de luz, cristalizada,
E vestida em cantatas e florais
A camponesa se dizia a amada.

E o príncipe, em repouso numa alfombra,
Teve a roçar-lhe os lábios sua sombra
E ao mundo seu não despertou, jamais.

À VELHA ALDEIA



Quero rever a minha velha aldeia
Ouvir o som do sino da Matriz.
De pés descalços pelo chão de areia
Dizendo coisas que ninguém mais diz.

Quero rever a minha velha aldeia
O seu rio, o coreto, a flor de lis,
O aroma da saudade que permeia
A infância que não tive e que não fiz.

Fui por outros caminhos vida afora
Levando estas lembranças, muito embora,
O destino tecesse a sua teia.

De tudo fui um pouco, um aprendiz,
Quero rever a minha velha aldeia
E dizer-lhe que quase fui feliz.

BOLA DE SABÃO



Quando criança, imaginando a vida,
Com o verde canudo de mamão,
Ao soprar na ponta, lá na saída,
Formava linda bola de sabão.

E pelo vento ela era arremetida;
Eu era deus e aquela bola então,
O mundo que criei, pura ilusão,
Era a bola voando destemida.

Eu era então senhor de sua sorte
E, formava-a pequena, de fumaça.
Ou provocava a sua própria morte.

Quando cresci tudo tornou-se o inverso;
Homem é bola de sabão, é massa,
Que é soprada pôr Deus, pelo universo

A ARANHA


Morava numa casa antiga e feia
Uma aranha, a rainha dos teares
Mas tristonha, pois, tinha a casa cheia
Das suas redes vis, dos seus colares.

Queria a todo custo armar a teia
Tentando penetrar em outros lares
E a casa preferida, ao lado, creia
Há luz e vida e ótimos ceares.

Um dia entrando a aranha nesse lar
Começou a tecer, tudo sujar
E o dono descobrindo-a a expulsou.

E a casa antiga e feia de peçonha
Até hoje inda abriga a triste aranha,
Que sofre pelo mal que não causou.

SONETO DA FELICIDADE


Veio roçando em mim, lívida e bela,
Em noite sem luar, desencantada,
Conto de fadas, gota prateada,
No céu escuro e na cadente estrela.

Veio roçando em mim, como uma vela,
A iluminar um homem na jornada;
E eu lembrei-me de ti, figura amada,
Ao ver a luz entrar pela janela.

Limpei a casa e após refiz meus planos;
Não haveria, certo, mais enganos,
- Crepúsculos de minha mocidade.-

E qual conto de fadas, pude vê-la
Passar, roçando em mim, como uma estrela,
Sem ao menos me dar felicidade.

ECOLOGIA


Estão matando as árvores da praça
E aos poucos suas seivas vão morrendo;
Vão derrubando toda fé e graça
Dos seres belos que estão padecendo.

Estão matando as árvores da praça!…
Sem perceber que elas estão sofrendo.
E justiça é preciso que se faça;
Tudo que é bom vai desaparecendo.

Homens matam sem dó, sem piedade
Os frutos bons, os dias mais risonhos,
E a consciência já não é juiz!

Assim um dia, em minha mocidade,
Cortaram todos os meus belos sonhos,
E nunca mais eu pude ser feliz!...

VISÃO ATUAL


Já é noite e alto soa o campanário!
Na escuridão, apenas as falenas
Brincando em revoadas, às dezenas.
Há mãos angelicais sobre o sudário.

Ouço passos vorazes das hienas,
À luz de um sol ausente, involuntário:
É noite, e simplesmente o argentário,
Guarda réstias de pratas, obscenas.

Na penumbra, resguardo-me em couraça
Dos espetros noturnos, embuçados,
A todos conduzindo para a cruz.

É noite! dobram sinos à ameaça,
Só restando cantar os nossos fados
Nas ânsias de uma lâmina de luz.

O CICLO DA DOR


Repara o poente que no céu crepita,
Numa fúlgida luz, tremeluzente,
Repara as praias que este mar agita
Em um fluxo e refluxo, permanente.

A dor no coração, assim, habita
A ceifar ilusões de um pobre crente.
Homem, poente, mar, a dor palpita,
Grande mistério que se faz presente.

Qual a origem do primeiro poente,
Ou do primeiro e grave desencanto:
Qual o motivo estar o deus ausente?

Veio a segunda dor, veio a terceira
Seguidas em fileira, com seu pranto,
Todas as dores cópias da primeira.

FLORESOFANDO


E por te amar demais eu te dou flores
Em profusão. São brancas e amarelas,
Como no infinito a acender velas,
Para esquecer na Terra nossas dores.

E por amar demais te dou estrelas,
Eterno símbolo dos meus pendores.
Relembra em teu passado as coisas belas,
Inesquecível tempo dos amores.

Tudo é fugaz na vida, tudo passa;
é vento passageiro que a fumaça
desfaz, como os errantes passos teus.

Tudo é igual. Vencido e vencedor,
a alegria pesa qual a dor,
ao ser lançada a soma aos pés de Deus.

O HOMEM E A NATUREZA


A rosa em sua forma é total
A pétala, a haste e a beleza,
Traduz ao ser humano a certeza.
Sem ter o desespero do abissal.

O Colibri a voeja, e natural,
Bebe o néctar tranqüilo com destreza.
Não indaga a sua natureza,
Sabendo-o completo e normal.

O Homem não é pouco nem metade,
O pensamento cria a identidade
Da solidão, do nada. E vida afora,

Foge de si, do que é verdadeiro.
Não sente a bela e deslumbrante aurora,
De ser grande porque ele é inteiro.

O ARGONAUTA


Sou argonauta a navegar meu sonho
Armado de gládios, nau e de aljavas,
Bandoleiro a tornar suas escravas
As sensações deste viver tristonho.

Sou argonauta, célere, medonho,
No combate às tormentas, mui ignavas,
Erguendo a espada viva dando às bravas
Emoções de um destino, assim, risonho.

Sou argonauta a conduzir galeras,
Desfraldando nos mares brancas velas,
Içadas a esta minha diretriz.

Sou argonauta a navegar quimeras
Olhando o espaço e a contar estrelas.
Sou náutico buscando ser feliz.