domingo, 5 de dezembro de 2010

MENDICIDADE


De quando em vez, encontro na estrada
Uma mulher idosa, séria e esguia.
Na cabeça, uma toalha avermelhada;
O rosto, empedernido em demasia.

Em cada esquina, cumpre sua jornada,
A remexer o lixo em anarquia.
A catar trapos rotos e fasquia,
Segue velho burrico a desgrenhada.

Dizem que vende e gasta seu dinheiro.
Penso, então, no seu triste e vão roteiro
E na filosofia do universo.

Durante minha vida na alameda,
Troquei muita migalha por moeda,
Seguido apenas pelo pobre verso.

domingo, 21 de novembro de 2010

DISTOPIA


Este lajedo imenso, cinza escuro,
De areia e de tijolos encimado,
Construímos quadrado por quadrado
Para que fosse grande o teu futuro.

O preconceito, juro que esconjuro;
Então, de sol e sal vivo adornado,
As mãos calosas, corpo macerado,
Faca afiada e sentimento puro.

Grande é o país e belo. Em seu destino,
Não comporta no corpo a distopia.
A tua terra é minha e a minha é tua.

Sou da terra dourada, nordestino;
Vamos brindar a paz em harmonia,
Nosso progresso, sob a luz da lua.

domingo, 14 de novembro de 2010

RELICÁRIO


Que fazes da memória do passado?
Guardas em relicário noite e dia,
Qual esplêndida joia? Tal mania
Só torna o coração mui magoado.

O destino cruel por ti traçado,
Amar e desamar não tem valia;
Não se repete o amor, não se copia
O belo verso que já foi versado.

Não creias em alguém que odeia e ama
E vive a saltitar nos sentimentos,
Vivendo dos opostos esta chama.

Lança longe o passado e tua memória,
Nada vale guardar velhos momentos,
Do teu presente, faz uma outra história.

domingo, 7 de novembro de 2010

ALMA SERTANEJA


Horas quentes e calmas sem alento,
Nem um sopro de brisa acaricia
A terra. Sequiosa e tão vazia,
Embota o corpo e mesmo o pensamento.

Descolorado solo, mui sedento,
contorcendo-se os galhos numa orgia,
Rogam nuvens no céu em romaria
para um tanto de chuva ao seu sustento.

Minha alma, como a terra sertaneja,
Arde a sofrer, assim, nesta peleja,
À espera da resposta: uma guarida.

E vê passar as horas no brasido,
Em uma busca eterna, no sentido
Do significado sobre a vida.

sábado, 30 de outubro de 2010

O CIPRESTE


Sou só e calmo qual cipreste esguio,
Que se balança à noite ao som do vento.
Na borrasca da vida, eu no relento
Sofro intenso calor e o oposto frio.

E canto livre como canta o rio
A desaguar no mar, claro ou cinzento.
Sou só e cônscio, este é o meu feitio
Ao pé da estrada, em pleno esquecimento.

Ouço a canção do vento em noites claras;
O murmurar das ânsias do humano;
As promessas de amor e as juras raras.

E tudo cansa nessa diretriz.
À minha sombra, abrigo o cotidiano,
Na luta intensa para ser feliz.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AUTA DE SOUZA


Veio de longe a voz terna e sonora,
Da mansidão sublime e dos enleios,
Da terra agreste e quente, dos anseios.
De uma extensa noite ou da aurora?

Veio de longe a bela ave canora,
Com flores perfumadas nos seus seios.
Tocando os corações com seus gorjeios,
Ainda ouço a música de outrora.

O canto triste e pleno em simbolismo,
Na fé e mansidão, catolicismo,
Com luto e dor percorre a trajetória.

Veio de longe a voz mui cristalina,
Anjo moreno em corpo de menina,
Alçando voo para entrar na história!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

SONETO ANDALUZ


Eu quero as casas brancas de Casares,
Penduradas no céu, em harmonia.
Buganvílias em flor e seus colares,
Ornamentando a bela Andaluzia.

Oh! Málaga, Granada e Almeria;
Sevilha,com suas festas populares.
Oh! Cidades com brilhos estelares,
Córdoba, Jerez, Cádis. Bulerias,

Danças flamencas com seus belos passos,
Versos de Lorca, tintas e picassos,
Torre de Ouro, alhambra, chafariz.

Oh! Árabes, judeus, belos ciganos,
Unidos, libertários, soberanos,
Quero-te, Espanha, para ser feliz!

À MINHA MÃE


A minha mãe deixou-me grande herança,
A calma imensa e a fé inabalável;
O livro do viver, o formidável
Acervo de cultura e segurança.

A minha mãe deixou-me a esperança
De enfrentar o que é inevitável;
A paz de aceitar o que é mutável,
A honestidade e o amor à semelhança.

Não existe em meu peito a dor do luto,
Se no pensar, minuto a minuto,
O seu perfil me envolve e me aquece.

E mesmo que não haja eternidade,
Ela vive na minha identidade,
Nesta lembrança que transformo em prece.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

VAMOS BEBER O MAR


Vamos beber o mar, a nossa herança,
A brancura da espuma efervescente,
Dando vida ao azul em sua torrente,
A desaguar no peito esta bonança.

Vamos beber o mar, nossa esperança,
E nele navegar seguidamente;
Partir a cada aurora e, no poente,
Trazer a pesca e a nossa confiança.

Vamos agora ao mar, à nossa vida!
Tesouro e fado, Terra Prometida,
E transformá-lo em hino e estandarte.

Vamos beber o mar, nossa ventura,
Templo de água e sal, nossa cultura,
E fazer dele a nossa maior arte!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DESCONSTRUÇÃO


Desconstruo meu “eu” todos os dias,
Todos os dias morro e após renasço;
Depois, junto pedaço por pedaço,
Desfaço-me das dores e alegrias.

Quais árvores em plenas invernias,
Perdem folhas e flores no cansaço;
Dispo meu ser do trapo velho e lasso,
Das esperanças mortas, nostalgias.

Sou um vaso vazio, repousado,
Silencioso e só, cônscio e desperto,
Visando o novo, enfim desabrochado.

Esqueço-me do ontem, de outrora;
Serei planície verde, após deserto,
Nascer e renascer em cada aurora.

domingo, 19 de setembro de 2010

O RIO POTENGI


Vem de Cerro Corá, serpenteando,
O Rio Potengi, belo e garboso,
Entre rochas e mangues, ruidoso,
Com águas claras, vento forte ou brando.

Ah! Bravo sertanejo alimentando
Famílias, plantas, aves, mui honroso
Do teu destino azul e piedoso,
Das brancas velas calmas navegando.

Nobre Rio que enlaça a minha infância,
O norte e o sul da Terra Potiguar,
Inda conta ao estrangeiro tua história.

Acalma a nossa dor, a nossa ânsia,
Em tua rede aquosa a recordar
Um passado de luz, combate e glória.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A CURA DO MEDO


O medo se agiganta e te entorpece,
Qual poderoso monstro a atormenta;,
Andas de lado a lado a caminhar,
Olhar nos céus e mãos postas em prece.

Pois nesta febre nada te arrefece,
Apenas dor e dor a torturar;
Chega um momento, o medo a transbordar
Cega e domina e nada te espairece.

Considera os verdores das ramadas:
Ao abrigar os seres do calor,
Inda oferece flores nas latadas.

Independe a coragem de segredo;
Oportuniza a paz ao teu redor.
Curar o medo é estar defronte ao medo.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ABSTRAÇÃO


Pois vivo e esqueço o célere vivido,
Observando a nova nuvem rápida.
Nada peço. Nada há que ser pedido
À paisagem fugaz, beleza cálida.

Pois nada existe para ser temido,
Tornar a nuvem bela menos válida?
Há que deixar no tempo este perdido
Momento. Virá outra nuvem pálida.

Enquanto passa o tempo, eu também passo,
Sem o inútil sofrer ou a alegria.
Sereno vivo a vida em seu compasso.

Agora, todo o céu está nublado;
Formaram-se no céu, em romaria,
As nuvens, sem história ou passado.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

HOUVE UM TEMPO


Houve um tempo de flores nas janelas,
Beijos de mães e noites enluaradas,
De cítricos aromas nas donzelas,
Brincadeiras de anéis pelas calçadas.

Houve um tempo de cravos nas lapelas,
Histórias de fantasmas, patuscadas,
De namoros nas altas madrugadas
Com promessas de amor, contando estrelas.

Se agora trago as minhas mãos vazias,
Se não existem mais as fantasias,
Se aprendo a conhecer o pensamento,

Que fique, então, meu verso como lastro,
Se não ficou de mim o próprio rastro,
Se tudo foi varrido pelo tempo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A FUNÇÃO DO POETA


Sou poeta do sol, da seca, vento
Debruçado nas palhas do coqueiro,
Do burrego na estrada mui sedento,
Da lua cheia sem qualquer roteiro.

Da porrada e da fome sou herdeiro,
Cavando o barro para o meu sustento.
Do mangue, da caatinga, do cruento
Calor que se derrama no telheiro.

Sou poeta das bocas esfaimadas,
Dos olhos tristes, caras espantadas,
E do homem ordinário e vida inglória.

Terras desbaratadas e esquecidas,
Sou poeta da angústia e subvidas,
Dos que morrem buscando nova história.

terça-feira, 29 de junho de 2010

MISCIGENAÇÃO


Meu coração um tanto lusitano,
Brasileiro da gema, atordoado,
Bate em meu peito alegre e soberano,
Estala na garganta em triste fado.

Meu coração, eterno inconformado
Com a escravidão imposta ao africano.
Às vezes mui devoto ou mui profano,
Vendo o índio no lar desbaratado.

A cada instante, um “eu” minha alma aflora,
Às vezes, noite escura; outras, aurora;
Às vezes, sou profundo ou pueril.

Às vezes, sou faminto ou bonançoso,
Sou desespero, sou esperançoso,
Meu coração retrato do Brasil.

O COQUEIRO


Coqueiro que habita no nordeste,
Com seus verdes pendões, engalanado,
A balançar no vento saturado,
De sal e brisa e sol ele se veste.

De verde ou amarelo, ele enfeitado
Enfrenta com coragem inconteste
Todo o rigor da seca no agreste,
Lição de vida sobre o assinalado.

Não são as rosas, com tanta lembrança,
que carrego do tempo de criança,
mas tuas palmas, grande companheiro!

As hastes que, apontando o infinito,
Cheias de verde, mostram o erudito
Que fez minha alma como a de um coqueiro.

O REVERSO DA MEDALHA


Em primeiro lugar, o anel perdido,
Junto com a bela máscara no rosto;
A pose altiva, ríspida e o gosto
De humilhar o fraco e o oprimido.

Foi bem antes que o sol se houvesse posto;
Seu reinado ruiu empobrecido.
Qual cego rei que, mui envelhecido,
Vê, pelo filho, o império ser deposto.

Sim, primeiro os anéis, depois os dedos;
Esquecendo do mundo, eis os segredos
Que a vida cobra a quem vive sem dó.

Depois, ora, depois apenas sombra
De um catre carcomido que era alfombra,
De um arremedo de homem que era pó.

A UM AMIGO


Tu não viste brotar em tua estrada
O flamboyant vistoso, engalanado
Com pétalas vermelhas adornado,
No teu breve viver, triste jornada.

Tu não notaste as aves em revoada,
Velozes no infinito constelado,
Em noturno volteio assombrado,
Pousando melancólicas na enseada.

O mesmo céu de ontem é o de agora?
A mesma busca eu sei que continua.
O que ficou de ti neste recanto?

Doce lembrança sinto nesta hora,
Nesta paisagem terna à luz da lua,
Neste soneto triste que é meu canto.

O MOMENTO


Ó momento fugaz que insiste e abrasa,
Escreve a tinta-sangue este momento
- Que instante febril, que golpe de asa! -
E transmuda o viver em um lamento.

Em nosso pensamento faz tua casa,
Aumenta e engorda com este alimento.
De minuto a minuto, o adiamento
De esta ardência que célere me arrasa.

Estala o dedo, pronto, foi-se a aurora,
Que não demora, amigo, não demora.
Diz a ti mesmo:que instante fugaz!

Entretanto - observa o pensamento -,
É o momento que cria o outro momento.
E assim encontrarás a luz e a paz.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O PREÇO


Ouço passos distantes do passado
Que, mesmo no clarão de um belo dia,
Fazem pensar no que já foi pensado,
Apagam chama que há tanto ardia.

Ouço estes passos sempre, nostalgia,
É triste rastro, enfim, por mim traçado;
Família, amigo, amor, tempo dourado,
Ausentes todos, tornam ao meu dia.

E minha casa sempre está repleta
De vultos, de perfume e de adereço.
Às vezes choro e rio; pra ser franco,

Mesmo vazia, a casa está completa.
Eis o preço das rugas, este é o preço
Que o tempo cobra ao meu cabelo branco!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

ADIVINHAÇÃO POÉTICA


Quem traz no verso o aroma do alcanfor,
A flor do bogari, mui perfumada?
Quem das palavras é grande inventor,
Ouvindo os tangerinos na boiada?

Quem canta madrigais com tal fervor
E teve por Palmares sua morada,
Velhas casas e um rio ao derredor,
muita história sombria, alma encantada?

Quem com a força das águas, sob a lua,
Fez amor com a mulata em plena rua
- Ouricuri, chapéu, balão, esteira?

O nordeste é a voz que ele defende:
- Vamos comigo, vamos pra Catende!
Pois lá descansa Ascenso, luz, Ferreira.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O MENINO E A ROSA


Desce o menino rápido a ladeira,
Mancando com o pé todo enfaixado;
Roupa suja, cabelo desgrenhado,
Segue a queimar na lida sua fogueira.

Uma rosa na mão, determinado,
Tenta sobreviver à sua maneira.
Na areia quente, qual uma lareira,
Segue pé ante pé, desamparado.

Sob o sol do nordeste que, escaldante,
Queima a infância do pobre caminhante,
O que ele escreverá em seu destino?

Ah! Injusto e cruel cotidiano,
Pergunto aos céus, ao todo soberano,
Quem mais frágil: a rosa ou o menino?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

TEMPO NÃO CURA O AMOR


Tempo não cura o amor; este adormece
Entre brancos lençóis a descansar.
Ah! Criança febril que se amornece
E com as lembranças tenta se curar!

Finge dormir o amor; finge que esquece
Da face, dos cabelos e do olhar;
Do perfil e colar que resplandece
A pele clara e o seio a palpitar.

Enquanto dorme o amor, tudo se acalma;
A dor profunda que amordaça a alma,
Sob brancos lençóis já se encoberta;

Basta um beijo fugaz, basta um perfume,
Na escuridão do abismo, basta o lume,
Que na ilusão da luz, ele desperta!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

DORME COMIGO A MORTE


Dorme comigo a morte e acorda cedo,
Como se fora a amante preferida.
Faz promessa de amor, conta o segredo
De um eterno descanso em sua guarida.

E me oferta uma vida noutra vida,
Afirma revelar-me todo o enredo.
Brinca de esconde-esconde e, na corrida,
Tenta espantar a angústia, a dor e o medo.

Fique tranquila, eu digo: - Não me iluda.
Que me importam conselhos, tua ajuda?
Não tente me enganar como a um menino.

Deita comigo e embale, então, meu sono,
Estou livre e sereno em meu outono,
A última estação do meu destino.

O DESEJO


Basta de ânsias eternas, enfim, basta!
O amor é bem maior que este manejo
De perfis, a viver sob o cotejo
De imensos vagalhões que a tudo arrasta.

É mui maior o amor que este desejo,
Próprio da juventude entusiasta;
Grande é o amor, suave noite vasta,
Não a réstia de luz, breve lampejo.

Que horror é este? Ah, que pouca sorte!
Nascer, crescer, viver até a morte,
Sentir do ciúme a dor de sua vergasta.

Eu quero o amor com toda a sua nobreza,
Do grão ao astro idêntica grandeza,
Basta de ânsias eternas, enfim basta!

terça-feira, 9 de março de 2010

PERFIL


Devias ver o meu olhar perdido,
Os lábios ressequidos, tão sem gosto;
Meu coração em prantos, muito exposto,
Neste corpo febril, enfraquecido.

Devias ver as rugas no meu rosto,
Este jeito tristonho, assaz sentido;
Perfil de um homem já envelhecido
Por inúmeras luzes do sol posto.

Tudo mudou, eu sinto, em pena tanta,
Que o silêncio me envolve e então me espanta,
Na orfandade cruel da nossa sorte.

Devias ver grisalhos meus cabelos,
Saber que, por amor, os meus desvelos
Serão por ti até a hora da morte.

sábado, 6 de março de 2010

OS EXTREMOS


Jamais amei a esquerda ou a direita.
São opostos cruéis que se atraem,
São rótulos, e os rótulos nos traem,
Formam no ser humano mente estreita.

Os extremos já têm uma receita,
E a vida nem sequer receita tem.
O certo e o errado, o mal e o bem
Implicam, no julgar, grave suspeita.

Não sejas pelo extremo então marcado.
Enquanto houver um lado, ou outro lado,
Serás uma etiqueta sem valia.

Ser livre é estar desperto à sutileza
De viver como a própria natureza,
Em liberdade plena e com alegria.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

CORAÇÃO ALADO


Meu coração alado já não voa,
Impossibilitado e mui premente,
Como água da chuva, forte escoa,
Desaguando no rio sua torrente.

Não anima os moinhos, evidente,
Nem carrega um barqueiro em sua proa.
Inútil o som que bate e ainda ecoa,
Em um corpo febril que jaz dormente.

Quem roubou sua paz, a fantasia
De trabalhar, viver com alegria?
Os meus órgãos vitais estão em brasas!

Devolvam já meu leme e a quimera,
Pra que eu possa voar na primavera.
Meu coração alado quer suas asas!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O PENSAMENTO


Pertence o pensamento cotidiano,
- Esfera imaginária, empobrecida-,
À inútil paisagem envelhecida,
De sonho vil ou de cruel engano.

E nesse labirinto, o ser humano
Vagueia nos extremos desta vida.
Na indecisão, a mente reduzida
À escuridão do triste desengano.

Pensar e repensar; a claridade
Independe do horror da atividade
Que o pensamento leva à discussão.

Apenas observa sem preceito;
Sereno, escuta, sem nenhum conceito,
E brilhará a luz na escuridão.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

SONETO HERÓICO


Ó heróico soneto, eu te bendigo,
Em tua forma métrica, alumbrada,
No engenho de ouro e luz, cristalizada,
Servindo-te meu estro como abrigo!

Tu foste de Camões o grande amigo,
A cantar grande glórias da jornada.
De Bandeira e Vinícius, tão amada
Forma de versejar. És novo e antigo.

Do que falam meus versos: - sentimentos
Sobre a vida e o sofrer ou pensamentos
Que produzam no “eu” total reforma.

Sobretudo do mar e suas procelas,
De alegrias e flores e de estrelas,
Ó meu soneto heróico em tua forma!

sábado, 30 de janeiro de 2010

OS DANÇARINOS


Eles dançavam loucos na alegria
Do viver. Oscilando venturosos,
Em movimentos rápidos, formosos
Rodopiavam cheios de harmonia.

Dançavam fosse noite, fosse dia;
Pareciam sorrir dos desditosos.
Aos labirintos tristes, belicosos,
Respondiam nas asas da euforia.

- Que insensatos são estes dançarinos.
Incautos, vivem tais como uns meninos,
Dizia a voz do povo, o juiz.

Pensei: – ora, que grande desempenho,
Descobriram nesta arte, neste engenho,
Uma maneira de se ser feliz.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A ANDORINHA


Pousou uma andorinha na janela,
Cantou ali o seu último canto.
Sob um ramo, encontrei-a; ao meu espanto,
Crês, não nasceu no céu qualquer estrela.

Ela era branca e negra a magricela;
Não sofreu; e tampouco qualquer santo,
No desenlace, veio recebê-la,
Restando, ao fim, vazio este recanto.

Era um ninho de palha, visgo e barro.
Sem tesouro ou herança, o ser bizarro
Vivia sem temer a própria sorte.

Sofremos quando há na vida apego,
Pois somos egocêntricos e cegos,
nunca indagamos sobre a vida e a morte.

O ESPELHO


Nós, almas tristes, almas separadas,
Umas das outras almas, erradias,
No espanto do existir, então sangradas,
Na dor do não saber, sem alegrias.

Ó almas que granjeiam fantasias
Para sobreviver, almas cansadas,
Buscam no céu consolos assustadas,
Reféns de nossas próprias covardias.

Flores dos campos belas, coloridas,
Não sofrem ou anseiam outras vidas;
Nascem e desconhecem suas belezas.

Diariamente, vamos ao espelho
procurar descobrir qual o conselho
Que nos ensina o livro - natureza.

sábado, 23 de janeiro de 2010

SONETO AO SOL


Mais belo é o sol que toda a teosofia,
Não pergunta nem crê ou articula,
Dá sombra e luz, é fonte de harmonia,
Não chora as suas mágoas nem rotula.

Mais belo é o sol do que a filosofia,
Quando aquece a semente, ele estimula
E faz brotar a flor e a alegria,
Não vive a culpar-se ou especula.

Ó sol que brilha, que nos esclarece,
Que não junta às mãos, postas em prece,
Nem fica a aguardar um novo dia,

Dá-nos o teu calor, ó soberano,
Para que nos tornemos mais humanos.
Mais belo é o sol que toda a Academia!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

ORPHEU E EURÍDICE


Eu sempre fui Orpheu, tu sempre Eurídice,
Por isto hei de te amar, eternamente;
E deste amor que é quase meninice,
Farei minha alvorada e meu poente.

Que importa se, da vida, uma corrente
Ate ou nos desate. Ah, pura sandice,
Quero saborear tua meiguice,
Neste breve momento transcendente!

... E tudo passa rápido.E, passando,
Com este intenso amor nos abrasando,
Até que nos encontre a vil velhice.

Serei a tempestade e tu a calma,
Serei o amor, serás tu a minha alma,
Pois sempre fui Orpheu e tu Eurídice!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A PROCISSÃO


Na praia, sob o sol brilhante e quente,
O mar de enormes ondas, verdejando;
Lá, uma procissão branca, cantando
Uma solene música plangente.

O pastor a rezar, obediente,
Em harmonia com os fiéis, andando,
A carregar o andor. E ornamentando,
Flores emurchecidas, penitentes.

Festa luzente, claridade e ardor,
A marcha a contrastar com o derredor,
Um pescador feliz com seu anzol;

Mulheres de biquínis coloridos,
Crianças com sorrisos, referidos,
Por que a procissão à luz do sol?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O HOMEM-SERTÃO


... E que grande deserto é o homem!
Semiárido ou seco e salinado,
Com pesadelos maus que o consomem,
De gravata e sorrisos adornado.

E, acrescentado a isso, vamos, somem:
De dor e solidão, é macerado;
Inseguro a sofrer - já esgotado -,
Dentro do sertão vira lobisomem.

Inventa a religião e sua antítese,
Vês? A filosofia e sua tese,
Promove a confusão, o caos na Terra.

Pede perdão a Deus, enraivecido,
A chorar, agastado e enternecido,
A rogar pela paz, fazendo a guerra!

sábado, 16 de janeiro de 2010

O FLAUTISTA


Ele era magro, jovem e a estética
Estava modelada em sua pauta;
No contorcido corpo havia a súplica
De produzir o som em sua flauta.

Nada o detinha, mesmo a própria malta,
A falar e gritar em sua dinâmica;
Nada rompia a viagem do argonauta,
Embriagado de vez com a sua música.

Com seus olhos cerrados, sempre ausente
Do mundo tolo e vão que o rodeava,
Num círculo abissal era vidente!

Que pena não ser eu mais otimista,
E carregar no peito a dor escrava,
De fazer versos e não ser flautista!

O MEDO


Tu queres navegar em altos mares,
Nesta jangada tosca, apodrecida?
Parte já, sem pensares na partida,
Busca altas ondas, vai noutros lugares.

Precisas do perfume de outros ares?
Enfrenta o dia e a noite. Em tua corrida,
Nada é constante e eterno, se provares
Da novidade que oferece a vida.

De nada vale a vida estagnada.
Desperta! Pega a tua jangada cedo
E, para não fugir ao bom combate,

Vai! Na primeira luz da madrugada,
Liberta-te do monstro que é o medo,
Muito antes que ele aumente e, então, te mate.

A RENDEIRA


Como a rendeira, tece o seu bordado,
Trabalhando a cantar horas a fio,
Quer seja na choupana ou beira-rio,
Ponto sol, ponto lua, eis seu traçado.

Assim, com o olhar perdido no vazio,
Entrelaçando o gesto acautelado,
Papel de risco sobre o almofadado,
Vai surgindo a sua arte no macio.

Desde o nascer do sol até o poente,
Devemos questionar, interiormente,
ser inútil sofrer pelo passado.

Tecendo a paz e o amor, a renascença,
Conhece-te a ti mesmo, em tua presença,
Como faz a rendeira em seu bordado.

A MULHER E O PASSADO


Ela toda manhã passava ao lado,
De um vistoso jardim. Sua estranheza
Não permitia que ela visse o nardo,
O espinho, a rosa e a flor de azul turquesa.

Cabeça baixa, rosto acabrunhado,
Não suportara as dores e a aspereza.
Haviam tantos mortos no passado,
Tornara-se insensível à beleza.

Ó dor que grita, dor que desfalece
No ciclo do viver, incontinente,
Uma manhã que vai e outra aparece!

Ela passava triste, obediente
a um sofrimento que a tudo entorpece.
Perdia no passado seu presente.